sábado, dezembro 30, 2006


A invernia percorria Matosinhos. De chapéu de chuva em punho, percorri as ruas fustigadas e entrei na Biblioteca Florbela Espanca. Um bafo afável invadiu-me a alma enregelada. Alguns alunos já cirandavam pelos cantos daquele templo de sapiência e esperavam, ansiosamente, o espectáculo. Descobrira Gisela Canamero e o seu "Camões é um poeta RAP" num programa da Antena 3 e tivera, desde aí, a ideia de levar os meus alunos a esse mesmo espectáculo invulgar e inovador. 17h da tarde. As portas do auditório convidaram-nos a entrar, sôfregos de novidades.
De barrete preto na cabeça, vestes negras e luvas de veludo vermelhas, Gisela Canamero iniciou o seu espectáculo fazendo uma breve apresentação da vida de Luís de Camões. Atrás da actriz, uma cadeira onde repousavam "Os Lusíadas" e uns óculos escuros. O ritmo começou e a lírica ganhou uma outra vida. Luís de Camões, todo de negro, escondendo os sofrimentos por detrás de uns óculos escuros, "rappava" a sua lírica. O público acompanhava o ritmo do poeta, batendo palmas e tamborilando com os dedos nas cadeiras. Sempre interagindo com o público, Gisela Canamero envergava a pele do poeta sofredor. No final, para rematar o espectáculo, a assistência ainda teve a oportunidade de "rappar" uma parte da proposição da obra "Os Lusíadas". Com a alma revigorada e a pulular de energia, enfrentei o temporal de cabeça erguida, já reflectindo nas ideias que saltitavam nos corredores do pensamento.
Teresa Garcia

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Às vezes tu perdes
Às vezes tu ganhas
E ainda às vezes ficas numa alucinação…

Procuras sem encontrar
Encontras sem procurar
Numa luta diária.
Inspirando e expirando
Lá vais andando.

Hoje parece que sim
Amanhã nem tanto assim.
Ontem acreditavas conseguir
Agora só se for a sorrir.
Sorrindo
A vida toma cor
E a paixão dá-lhe brilho.
Vive cada momento
Ausente de tormento.

Inspira amor
Expira compaixão.
Inspira aprendizagem
Expira sabedoria
E contagia quem te rodeia.

Nas tuas mãos está a mudança
Cultiva-a, não critiques,
Vai em frente
E não regridas na tua evolução.

Tu sabes
A sabedoria está dentro de ti
Mostra-a ao mundo.
Faz cintilar o teu brilho
Ofuscando quem o estagnou.
Agora vai, ensina sabiamente
E nas pequenas coisas
Terás a compensação.

Fica Atento!


Helder Rodrigo Pinto (TIM)

Ode ao Cinema


Entro naquela grande sala
E sento-me na fila do meio
Em breve toda a luz se ofuscará
Correm as grandes cortinas vermelhas de veludo
E à minha frente: a projecção!

Ó tela, ó projector
Que pró cinema fostes criados…
Como vos amo por existirdes,
Como aprecio a vossa função
Como preencheis a minha vida.

Ó impressionável média
Que pela visão e audição
Despertas o medo e a emoção.

Das espadas às declarações de amor,
Da gargalhada ao terror,
Suspense… Uff! Que calor!
Transmite-me a tua mensagem, por favor!

Vejo pessoas representando aquilo que não são
Falsificando a sua personalidade,
Aqui, tudo é ficção
Mas lá fora a hipocrisia é realidade.
O desespero, a crueldade, o ódio
E até a violência,
Num mundo em que as palavras de ordem são:
Paz e Liberdade.

Dos factos reais aos fictícios
O cinema é algo memorável
E que deixa sempre saudade…


Helder Pinto (TIM)

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Nas ruelas empedradas de odor a gatos, já cirandavam alguns jovens. Alguns, sentados nos bancos do jardim mal aproveitado, mergulhavam o olhar no asfalto grávido de trânsito, àquela hora; outros, empilhados noutros bancos, sorriam, de alma aberta para o dia vindouro; outros envolviam-se na bruma ondulante do cigarro, encostados às paredes dos prédios decrépitos, carcomidos pelo tempo; ainda outros exibiam um andar arrastado, recordados do sono brutalmente interrompido.
Entravam com a alegria matinal e povoavam os corredores de uma miríade de sons e de vida. Magros, gordos, altos, baixos reuniam-se na pequena salinha quadrangular, com vista para a modernidade encavalitada, empunhando os cafés fumegantes e as atitudes descontraídas da juventude. Assobiando as melodias dos MP3’s, coladas aos seus ouvidos, dirigiam-se para as salas, escondendo os seus dons por detrás de uma miscelânea de cobras coloridas e de um ecrã.
Um odor a objectividade e evolução tecnológica perfumava aquelas salas. No entanto, por vezes, a sala coloria-se de espíritos sedentos do invulgar, da beleza da vida, do odor perfumado da palavra. E então surgiam obras, bafejadas pela voz inebriante de Minerva, e eles soltavam as almas e abraçavam apaixonadamente a Arte.

“Somente pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que um outro vê desse universo que não é o mesmo que o nosso e cujas paisagens permaneceriam tão desconhecidas para nós quanto as que podem existir na lua. Graças à arte, em vez de ver um único mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se, e quantos artistas originais existem tantos mundos teremos à nossa disposição, mais diferentes uns dos outros do que aqueles que rolam no infinito e, muitos séculos após se ter extinguido o foco do qual emanavam, chamasse ele Rembrandt ou Vermeer, ainda nos enviam o seu raio especial. "
Marcel Proust, in 'O Tempo Reencontrado'
Teresa Garcia

terça-feira, dezembro 12, 2006



Nos dias cinzentos de hoje, se procurássemos bem encontraríamos gigantes raios luminosos que reflectem de pequenas mentes escondidas, que lutam por se libertar da prisão a que são submetidas todos os dias, que se têm de deparar ao saírem da própria porta de casa, uma discriminação chamada “revelação de sentimentos”. É duro para alguém revelar o que sente, é duro para alguém assumir o que realmente sente, mas mais duro ainda é querer, sentir e ter medo.Nos dias de hoje vivemos em função da vida dos outros, da maneira como caminham, da maneira como olham, da maneira como respiram, da maneira como sentem. Está na hora de mudar isso, convencer-nos que um sentimento é algo único, não só de amor, não só de rancor, mas também de angústia, de insatisfação, desejo, luxúria. Não é preciso revelar a verdadeira identidade, basta querer e fazer, que logo encontraremos alguém que bem lá no fundo da alma sente o mesmo que nós mas como nós mesmos antes de assumirmos, tinha medo de avançar e escrever para esquecer ou partilhar a dor. Sou sol da vossa Lua, sou mestre da vossa vontade, e o meu desejo é que se libertem as vossas almas, que se inspirem em vocês mesmos e dêem forma ao abstracto, ao inexistente e, assim, se tornem mestres de outras vontades, Sol de outra Lua.
Texto: Rudy Rocha (Tim)
Foto: Paulo Barbosa (TPS)