terça-feira, setembro 18, 2007

A volta ao mundo em 360 páginas


A leitura é como se de um Universo paralelo se tratasse.
As viagens que se podem fazer nas asas de um livro são sempre surpreendentes, nunca sabemos o local de partida nem o destino, não há horário de embarque, nem limite máximo de bagagem.
O livro, enquanto meio de transporte, pode ser pequeno como um veículo citadino, do tamanho de um bolso, ou enorme como um boeing 747, cheio de detalhes e de lugares vazios preparados a preencher, mas como já dizia o ditado, “o tamanho não é o mais importante”, mas sim o seu conteúdo.
A livraria, enquanto cais de embarque, é quase sempre o ponto de partida para mais uma aventura, uma agência de viagens por excelência onde podemos sempre consultar os novos roteiros, os packs promocionais e até no caso dos mais indecisos, pedir alguns conselhos.
Começamos por escolher o nosso rumo, e enquanto uns optam pela adrenalina proporcionada pelos destinos de acção e aventura, outros optam pelo constante reacender do romance em paragens mais calmas e quentes. Mas existem para todos os gostos, inclusive os mais alternativos ou requintados.
A partir daí tudo se torna fácil, e quer seja em executiva e com todos os mimos que por exemplo um copo de chianti pode providenciar, ou em low-cost, acompanhado por um pires de tremoços, a sensação que nos atravessa é exactamente a mesma, de liberdade, de comunhão, paz interior, relaxamento, um tai-chi improvisado em páginas de papel que nos transporta para todas as latitudes imagináveis.
Afinal, depois de uma acesa discussão, depois de ponderados os imponderáveis e da mistificação do assunto, o segredo do teletransporte foi descoberto. O livro é o resultado químico dessas buscas, o objecto que nos permite dobrar as barreiras do espaço e do tempo, o tapete voador dos tempos modernos.
A pergunta que se deve fazer é porque contentarmo-nos com o simples caminhar, quando podemos ter asas?
Flávio Trindade (IEM)

segunda-feira, setembro 17, 2007

2+2=5



O Homem está desde sempre à procura de si próprio, buscando incessantemente respostas para todas as suas perguntas.
É por norma bastante difícil de satisfazer, por isso, as respostas têm que vir em forma de verdades absolutas, impossíveis de refutar ou sequer de poder pensar em algo ligeiramente diferente.
O Homem é também desconfiado por natureza, daí ser bastante mais fácil acreditar nessas mesmas verdades absolutas, porque elas acabam por explicar de forma sintética as outras verdades que o Homem há muito procura.
Há quem diga que as verdades absolutas são difíceis de encontrar, ou de formular, mas quero desde já desmentir essa teoria.
Elas estão um pouco por todo o lado, nas nossas escolas e faculdades, nas nossas empresas e partidos políticos e como se isso não bastasse, são visíveis e palpáveis. Com o passar dos tempos ganharam a forma humana, quais mutantes, formaram um grupo restrito e fortemente organizado e agora intitulam-se professores de matemática, ou matemáticos catedráticos, conforme a hierarquia que ocupam dentro do clã.
Os matemáticos são os senhores de todas as verdades absolutas.
São seres absolutamente geniais, inabaláveis no seu púlpito, destilam imparavelmente e sob a forma numérica, dúzias de verdades absolutas por segundo.
Mas como tudo na vida, a genialidade tem um preço, e esse preço a pagar é a incompreensão generalizada. Os seus alunos não os percebem, os seus amigos não os percebem, os seus pais fazem um esforço hercúleo para os tentar perceber (o maior pesadelo de todos os pais é terem gémeos ambos matemáticos), mas pior do que isso os seus pares professores de outras áreas (aquela gentinha com quem os matemáticos têm de socializar e para quem têm de sorrir em todos os intervalos na sala de professores) também não os percebem.
Os matemáticos têm a sua própria linguagem que obedece à sua própria métrica e à sua própria lógica, por isso podem cometer impunemente todo o tipo de atropelos à língua do seu país sem que ninguém ouse pôr isso em causa. Na realidade os matemáticos são tão geniais que possuem a capacidade única de não terem de emitir qualquer tipo de som para se entenderem. O seu alfabeto é tão vasto, que para além das letras que todos nós conhecemos, constam uma variedade interminável de símbolos e hieróglifos que só eles conseguem descodificar. Uma das suas principais mágoas é o facto de terem efectivamente de se dirigir verbalmente aos seus alunos para dizer a única frase que não consta do seu alfabeto simbólico-numérico, ou seja, “ resolva este exercício”. Um dos seus mais proeminentes membros tentou acabar com esse enorme problema utilizando a combinação #111*, mas o centro de apoio a clientes da Optimus já se lembrara dessa pérola do pensamento lógico um pouco antes e como tal a equação persiste.
A dicotomia existente entre os matemáticos e os outros é vincada pelas suas características únicas e inatas.
Assim como os camionistas têm um autocolante gigante no seu camião com a frase “ os camionistas são gajos porreiros” que normalmente acompanha o emblema do Benfica e poster da Samantha Fox, os matemáticos têm por sua vez uma pequena inscrição no vidro traseiro dos seus automóveis, que diz “ Deus é Matemático”, inscrição essa que não pode ocupar mais de um décimo da superfície do vidro, para o restante ser utilizado para processar enquanto conduzem, os cálculos das distancias para os outros veículos.
Para além dessa característica que os define, existem outras, como o programa de televisão que todos adoravam, o 1,2,3 ou o facto de 4 em 5 matemáticos, terem colado na parede dos seus quartos um poster de dimensões apreciáveis do seu grande ídolo e guru, obviamente Pitágoras.
Essa intrigante figura sem paralelo na história da humanidade conseguiu a façanha de conseguir transformar uma dupla de letras aparentemente insignificante “PI” no valor aparentemente exacto de 3 virgula-qualquer-coisa-que-agora-não-me-lembro-porque-não-sou-matemático.
Pitágoras teve uma infância difícil. Os seus pais que trabalhavam de sol a sol dedicavam-lhe pouco amor e atenção, como se pode constatar pelo nome que lhe escolheram, e desde cedo o jovem Pitinho, como lhe chamava Copérnico o seu amigo imaginário, ficou abandonado à própria sorte. Abusado física e psicologicamente na escola, sobrou apenas a enorme paixão que tinha pela rapariga da cantina, não pela rapariga, mas por aquilo que ela lhe arranjava todas as semanas depois do almoço, os recortes do sudoku retirados das suas revistas de celebridades. Assim o jovem Pitágoras começou a exercitar o seu fascinante intelecto.
Chegou à conclusão que só seria respeitado entre os seus pares e entre as massas se fosse o dono de uma verdade absoluta. Trabalhou arduamente para o conseguir até que num belo dia, e tal como Einstein o conseguiria também depois de levar com uma maçã na cabeça, o despertador quase novo de Pitágoras comprado há apenas uma semana nos chineses, deu o ultimo PI já passava das 3 da manhã. Acabado de acordar e apesar de furibundo por ter dado 25€ por um despertador que lhe durou uma semana, Pitágoras logo percebeu que esse momento o haveria de imortalizar e às 3.20 da manhã já era dono da sua verdade absoluta.
35 despertadores depois, Pitágoras acabou por falecer, ainda jovem, mas plenamente realizado, e é ainda hoje o exemplo a seguir por todas as novas gerações de jovens matemáticos.
Eu próprio inspirado no seu exemplo pretendo consagrar também a minha verdade como absoluta, recorrendo a outros acordes diferentes de PI, talvez um FÁ ou um LÁ, com outros valores aparentemente exactos, ficando para isso à espera de um sinal do divino, ou de uma outra entidade qualquer, pode ser igualmente dos chineses, desde de que aquilo que eu compre dure mais que uma semana…
Flávio Trindade