quinta-feira, dezembro 14, 2006

Nas ruelas empedradas de odor a gatos, já cirandavam alguns jovens. Alguns, sentados nos bancos do jardim mal aproveitado, mergulhavam o olhar no asfalto grávido de trânsito, àquela hora; outros, empilhados noutros bancos, sorriam, de alma aberta para o dia vindouro; outros envolviam-se na bruma ondulante do cigarro, encostados às paredes dos prédios decrépitos, carcomidos pelo tempo; ainda outros exibiam um andar arrastado, recordados do sono brutalmente interrompido.
Entravam com a alegria matinal e povoavam os corredores de uma miríade de sons e de vida. Magros, gordos, altos, baixos reuniam-se na pequena salinha quadrangular, com vista para a modernidade encavalitada, empunhando os cafés fumegantes e as atitudes descontraídas da juventude. Assobiando as melodias dos MP3’s, coladas aos seus ouvidos, dirigiam-se para as salas, escondendo os seus dons por detrás de uma miscelânea de cobras coloridas e de um ecrã.
Um odor a objectividade e evolução tecnológica perfumava aquelas salas. No entanto, por vezes, a sala coloria-se de espíritos sedentos do invulgar, da beleza da vida, do odor perfumado da palavra. E então surgiam obras, bafejadas pela voz inebriante de Minerva, e eles soltavam as almas e abraçavam apaixonadamente a Arte.

“Somente pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que um outro vê desse universo que não é o mesmo que o nosso e cujas paisagens permaneceriam tão desconhecidas para nós quanto as que podem existir na lua. Graças à arte, em vez de ver um único mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se, e quantos artistas originais existem tantos mundos teremos à nossa disposição, mais diferentes uns dos outros do que aqueles que rolam no infinito e, muitos séculos após se ter extinguido o foco do qual emanavam, chamasse ele Rembrandt ou Vermeer, ainda nos enviam o seu raio especial. "
Marcel Proust, in 'O Tempo Reencontrado'
Teresa Garcia

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